GLAUCO DINIZ DUARTE Portugal: imóveis ganham quarto de empregada para agradar brasileiros
Em meio ao neoclássico do Teatro Nacional, em Lisboa, o ou estilo inglês clássico do edifício da Feitoria Inglesa, no Porto, modernas construções residenciais têm se mesclado à histórica paisagem portuguesa.
Do Tejo e do Douro, já se veem prédios e casas acenando como se fossem habitantes de um novo tempo no país: o do boom das incorporadoras. Em Portugal, o crescimento econômico dos últimos dois anos impulsionou uma alta no setor imobiliário, que está sendo explorado por brasileiros.
E do mesmo jeito que os portugueses trouxeram sua cultura, os hábitos da corte, a linguagem, o “xis” tão presente no sotaque carioca, os brasileiros, desta vez, levam de volta alguns hábitos, entre eles a novela, o samba, e a arraigada necessidade de contar com uma empregada doméstica que durma na casa dos patrões.
Neste sentido, os empreendedores nem se dão ao luxo de discutir as questões éticas e culturais, em tempos em que esse estilo até certo ponto patriarcal tem sido debatido, impostas pelos novos compradores. Em Portugal, há o serviço doméstico formalizado, mas de uma maneira que difere da do brasileiro, com menos horas trabalhadas e melhores salários. E, nos últimos anos, até recentemente, cômodos de serviços raramente faziam parte dos projetos.
A corretora Célia Aguiar, associada de uma importante imobiliária de Lisboa, afirma ao R7 que a construção de imóveis residenciais que incluem quarto de empregada era comum no país até os anos 70. E, depois de um período de baixa, foi retomada agora, muito em função da demanda brasileira, já que este tipo de serviço, no qual a funcionária dorme no local de trabalho, não é comum em Portugal.
— Na verdade, a realidade do setor imobiliário português é um pouco distinta da realidade brasileira, no entanto o mercado de construção e reabilitação está atento para procurar oferecer imóveis que coincidam com as exigências dos novos investidores.
Célia observa que, em Portugal, a profissão de empregada doméstica é comum, mas com muitas diferenças em relação ao Brasil. Em geral, as empregadas são contratadas por dia ou por hora. E ganham um salário médio entre 700 e 1.400 euros (cerca de R$ 2.890,00 e R$ 5.780,00) dependendo das horas trabalhadas.
— É comum o trabalho de domésticas externas, não são internas como muitas no Brasil, não dormem, a não ser em casos em que há crianças pequenas, mas certamente se trata de uma minoria.
O especialista João Ricardo Costa, professor de Economia do Ibmec, confirma essa nova tendência e acredita que ela é uma das consequências do aumento da procura de brasileiros por imóveis no país.
— Isto (a inclusão de quarto de empregadas na planta) tem acontecido sim, o próprio mercado está respondendo a essas demandas. Há uma diferença de cultura, embora exista uma relação muito boa de Portugal com o Brasil e um processo de conhecimento de nossa cultura. E as incorporadoras têm respondido a essa diferença, tenho visto isso, essas modificações já para aproveitar essa intensa alta de investimentos em Portugal.
Costa ressalta que as questões éticas e de direitos humanos, ligadas à inclusão de um item que em vários países está ficando cada vez mais superado, ficam de lado nesta situação, que prioriza acima de tudo a necessidade da conclusão do negócio.
— A incorporadora não vai discutir isso, vai seguir a demanda, se a demanda pede isso ela vai fazer e oferecer, se a discussão que fazemos como sociedade não refletir na demanda, a incorporadora vai continuar fazendo desta maneira.
Os edifícios concluídos no terceiro trimestre de 2017 registaram um aumento de 19,6%, o que equivale a 3,4 mil edifícios, em relação ao mesmo período de 2016, segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística de Portugal).
A presença dos brasileiros é marcante, ocupando o terceiro lugar, 10%, entre os estrangeiros que mais compram imóveis. Os dois primeiros são os franceses e ingleses, muito mais próximos e com mais facilidades.
De olho neste mercado, o governo português tem facilitado a compra de imóveis por brasileiros, concedendo alguns benefícios fiscais, para atrair ainda mais capital à economia do país, segundo afirma Costa. Neste momento de crescimento econômico português, resquícios de situações passadas continuam a prevalecer.
— O primeiro ponto é que o governo português queria esse dinheiro. O segundo ponto é, como a economia portuguesa havia ido muito mal nos últimos anos, criaram-se oportunidades para brasileiros. Não que a economia estivesse boa no país, mas, para uma parte dos brasileiros, a recessão não bateu da mesma maneira.
Parte desta elite brasileira, que não foi afetada com a crise econômica pela qual o Brasil passou nos últimos dois anos, se aventurou em novos investimentos e tentativas. E buscou os preços baixos dos imóveis em Portugal, um país que se situa na Europa, tem boa infraestrutura e o mesmo idioma.
— Muitas pessoas de classes sociais mais altas conseguiram proteger o patrimônio durante nossa recessão e viram oportunidade lá fora. Então, a junção de um mercado mais barato em Portugal com o desejo do governo português de ajudar a trazer capital, gerou um boom muito grande de investimentos em imóveis em Portugal por parte dos brasileiros.
Ainda existem algumas exigências burocráticas. Mas, se um estrangeiro investir ao menos 350 mil euros em Portugal, poderá adquirir o visto Golden Visa (autorização de residência). E, para a compra de um imóvel, em geral, é preciso obter Certidão do Registro Predial, a Inscrição na Administração Fiscal e com isso conseguir o Número de Identificação Fiscal.
É necessária também a Caderneta Predial, relativa à situação fiscal do imóvel. Depois, é só abrir a porta e curtir a vista e a atmosfera histórica. Quem fizer questão, pode até vir com a empregada. E, quem sabe, pedir em casa uma boa bacalhoada no domingo, quando ela não estiver. No delivery, é claro