GLAUCO DINIZ DUARTE Crescem queixas sobre defeitos em imóvel novo
Vagas de garagem de tamanho menor do que o previsto, luzes de emergência com defeitos, infiltrações e travamentos no portão automático e no elevador estão entre os problemas enfrentados pelos moradores de um condomínio na zona leste da cidade de São Paulo, entregue no final de 2012.
Assim como nesse prédio na capital paulista, problemas com imóveis novos são frequentes e cresceram 35% até novembro de 2012, apontam dados inéditos da Associação Nacional dos Mutuários (ANM).
O G1 ouviu advogados e especialistas da construção civil para esclarecer dúvidas sobre os direitos dos mutuários. Eles afirmam que é obrigação da construtora fazer os reparos, respeitados os prazos de garantia. Se contratos não forem cumpridos, o comprador tem direito, inclusive, a pedir a devolução do dinheiro pago e indenização pelos danos causados na Justiça (veja detalhes nos quadros abaixo).
As queixas sobre defeitos nos imóveis após as entregas nas chaves ou falta de acesso ao empreendimento representam 10% das quase 600 feitas à entidade de novembro de 2011 a novembro de 2012 (58% são sobre atraso na obra; 19% sobre irregularidade em documentos para financiamento e 13% de cobranças indevidas). Apesar de a maioria das reclamações ser sobre atraso na entrega da obra, o presidente da associação, Marcelo Augusto Luz, afirma que queixas sobre defeitos são cada vez mais constantes. “O que ocorre hoje é que o construtor vai construindo, vendendo, e não dá conta de tantos imóveis”, avalia.
“O portão do carro não funciona, vive quebrado (…). Sabe as luzes de emergência nas escadas? Está tudo quebrado. Eu tenho direito a uma vaga de garagem onde, na minha escritura, a vaga tem que ter a medição de 10,9 metros. Eles entregaram cada vaga de garagem com sete metros”, reclama a compradora Adriana Alves Alonso, de 39 anos.
Outra compradora, a dona de casa Daniela Lopes de Oliveira, de 27 anos, disse sofrer com falhas no próprio apartamento, como um buraco em uma parede de um quarto e uma torneira da cozinha que está descascada. O morador do apartamento abaixo do dela, que pediu para não ser identificado, afirma que recebeu o imóvel com o vidro de uma janela quebrado, que ainda não foi trocado. O teto do banheiro ficou sem pintura após a construtora ter aberto um buraco para consertar um vazamento de água. “Desde setembro estou aguardando a troca de vidro (…). No teto, a construtora resolveu arrumar [o vazamento]. Fecharam, só que não foram pintar”, explica.
Responsabilidades
A responsabilidade de consertar esses defeitos é da construtora, desde que respeitados os prazos de garantia para cada tipo de falha (veja nos quadros abaixo). “Você vê um imóvel novo e aparentemente está tudo ok, parece perfeito. Mas quando você entra, há muitos com problemas hidráulico, elétrico, de elevador, que só vão ser constatados quando você começa a morar. Essa responsabilidade é da construtora. Ela tem que ser notificada sobre o problema, esse problema tem que ser resolvido pela construtora. O mutuário tem razão, tem o direito de exigir que isso seja consertado”, explica Luz.
Como exigir os consertos
Antes de assinar o recebimento das chaves, os mutuários fazem uma vistoria no apartamento, marcada com a empreiteira. Nessa hora é possível verificar apenas os defeitos aparentes, ou seja, aqueles que podem ser identificados imediatamente – como um piso quebrado, um acabamento mal feito, uma torneira que não funciona, explicam especialistas.
O assessor jurídico da Associação dos Mutuários de São Paulo e Adjacências (AMSPA), João Bosco Brito, sugere, se possível, levar um engenheiro civil para ajudar na vistoria. “A associação alerta que comprador não pegue a chave até que o engenheiro e os moradores façam a vistoria. Todo mundo vai olhando os canos, dando descarga, para ver se tem algum defeito aparente. É importante olhar o piso, medir as janelas, o rodapé”, explica.
Tudo que for encontrado de irregular deve ser anotado e enviado à construtora por escrito (é importante ter um comprovante da reclamação) para solicitar o reparo. Para esse tipo de problema (os defeitos aparentes), o prazo de garantia é de 90 dias após a entrega das chaves.
Brito esclarece, ainda, que há casos em que o defeito não pode ser sanado, como uma metragem errada de um cômodo. “O que é defeito pode ser consertado. Se não tem como arrumar, é impossível, aí já passa a ser denominado um vício”, esclarece. Nesses casos, o advogado explica que é possível buscar um acordo com a construtora, como pedir um abatimento do valor pago. Caso o acordo não ocorra, o comprador tem direito de solicitar a rescisão do contrato e receber o ressarcimento dos valores pagos. É possível, ainda, entrar com ação na Justiça exigindo indenização por danos morais.
A moradora Adriana,por exemplo, se recusou a receber as chaves de seu apartamento – no caso dela, contudo, ela diz que, além dos defeitos no imóvel e as vagas de garagem de tamanho menor que o previsto, também se sentiu prejudicada com cobranças que considera indevidas. Foram os dois motivos que a levaram buscar um advogado. “Eu me recusei a receber as minhas chaves, eu entrei na Justiça (…). No meu apartamento, os dois quartos estavam com infiltração”, disse. “Eu só vou pegar minha chave perante a Justiça.”
Com relação aos problemas comuns, ela disse que os moradores devem contratar um especialista para fazer um laudo. “A gente fez uma assembleia e decidiu que vai contratar um engenheiro, por fora, para fazer todas as vistorias, para levantar todas as irregularidades, para ele emitir um laudo, para a gente entrar com um processo [na Justiça], porque a construtora não arruma”, desabafa.
A empreiteira, no caso, é a Atua Construtora. Procurada, a empresa disse que mantém à disposição dos clientes uma equipe de assistência técnica para auxiliá-los. “Existem casos em que a dificuldade de agendamento dessas assistências ocorre em função de disponibilidade dos proprietários dos apartamentos, pois uma vez entregue o imóvel a construtora deixa de ter livre acesso ao condomínio”, afirmou, em nota. “Vale reforçar que na fase inicial de ocupação do empreendimento, em função de reformas efetuadas pelos próprios condôminos e suas respectivas mudanças, ocorre uma série de imprevistos que podem ocasionar eventuais danos aos apartamentos e áreas comuns, para isso o cliente conta com o apoio da equipe de assistência técnica disponibilizada pela construtora”, respondeu. O edifício se enquadra dentro do programa “Minha Casa, Minha Vida”.
Defeitos ocultos
Os defeitos que só aparecem ao longo do tempo, com o uso, são ocultos e também possuem prazo de garantia – que é de até um ano a partir da entrega das chaves ou a partir do momento em que o defeito aparecer ou for constatado, explica o advogado Brito.
“Mesmo com a vistoria, o desempenho do imóvel, que é seu comportamento do uso, só vai se perceber ao longo do tempo. Por exemplo, o desempenho acústico. O morador só vai saber depois de estar morando. Durante a vistoria, o sistema hidráulico, elétrico, não está em pleno funcionamento, pode após algum tempo surgir problema”, esclarece Carlos Borges, vice-presidente de tecnologia e qualidade do Sindicado da Habitação (Secovi-SP).
Há ainda um terceiro tipo de defeito, que é aquele que afeta a solidez e segurança do prédio, como uma infiltração generalizada ou um risco de desabamento. Nesse caso, o prazo de garantia é de cinco anos da data da construção. “Durante o prazo de garantia, se acontecer algum problema, o ônus da prova é do construtor. Se tiver algum problema e a construtora não é culpada, ela que tem que provar que não é”, esclarece Borges. “Após o período de garantia, não termina a responsabilidade da construtora, mas inverte, o ônus da prova e do consumidor. Se passados sete anos e ele tiver o problema, ele vai ter que provar que o vicio é de origem.”
Brito diz que, nesses casos, o prazo máximo para entrar na Justiça é de 20 anos, contados a partir do momento que o prejudicado constatou o problema e notificou a construtora, de acordo com decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com o Secovi, contudo, o prazo máximo é de 10 anos.
É importante, ainda, que tanto o morador quanto o condomínio fiquem atentos à manutenção, pois se fica provado que os defeitos aparecerem por falta de manutenção, a garantia é perdida.
“A ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas] obriga a existência de um manual [de uso e manutenção das edificações] e fala até o conteúdo dele. O manual tem que prescrever como a manutenção vai ser feita (…). Existem direitos e obrigações dos dois lados”, diz Borges.
Acompanhamento da obra
Luz, da ANM, orienta ainda que os mutuários busquem acompanhar o andamento da obra. “Orientamos que seja feita uma comissão de moradores prévia, antes da entrega da obra, composta por três ou quatro pessoas que tenham disponibilidade para acompanhar a construção mês a mês e verificar se está sendo seguido o cronograma estabelecido no contrato, o número de operários que estão trabalhando, se não está havendo desvio de operários para outro empreendimento”, sugere. “O mutuário pode pedir uma liminar para visitar o imóvel (…). Ele não pode ser impedido, é um ato arbitrário”, acrescenta, caso a construtora não permita a visita.
Muitos lançamentos
O vice-presidente de Tecnologia e Qualidade do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Paulo Sanchez, afirma que o aumento de reclamações sobre problemas em prédios reflete o aumento da quantidade de construções nos últimos anos.