Em tempos de novos revestimentos com tecnologias que prometem resistir a quase tudo, muita gente se pergunta se vale a pena apostar na madeira. A resposta dos especialistas soa como um coro: sim – e muito.
Desde que seja obtida de florestas com estratégia de manejo em prol do equilíbrio ambiental da área ao longo do tempo, ela é hoje aliada da sustentabilidade: gasta pouca energia no processamento, combate o aquecimento global ao sequestrar carbono da atmosfera e tem ótima durabilidade, quando escolhida e aplicada corretamente.
“Durante décadas, o maior mercado (as regiões Sul e Sudeste) explorou as matas nativas de peroba-rosa e pinho-do-paraná para a construção civil”, conta a pesquisadora Maria José Casimiro Mirando, do Laboratório de Árvores, Madeiras e Móveis, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT-SP).
Com o esgotamento das reservas locais, a Amazônia virou o principal alvo, o que torna a opção do consumidor fundamental na luta contra o desmatamento. Comprar bem, no fim das contas, é exigir comprovação de origem legal e saber tirar proveito da biodiversidade para adequar uma espécie nova ao tipo de utilização.
Segredos de Origem
Apesar da grande oferta, a diversidade à venda é pequena, o que põe em risco a sustentabilidade. Empresas desse setor devem ter um plano de manejo aprovado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Florestas Plantadas: produzem extensas áreas de monocultura que fornecem matéria-prima (especialmente eucalipto, pinus e teca) para a indústria de madeira serrada e de painéis.
Florestas Nativas: Sofrem com a retirada de alguns poucos tipos preferidos pelo mercado, embora tenham grande potencial para o manejo de árvores alternativas.
Demolições: edificações antigas e reformas oferecem peças para reaproveitamento. Outra opção são os dormentes de ferrovias e postes e cruzetas da rede elétrica.
Até 80% da madeira extraída da Amazônia é ilegal: segundo estimativas, entre 43% e 80% da produção madeireira na região vem de áreas desmatadas ou exploradas de forma predatória. Cerca de 80% do volume total é destinado ao consumo interno, ou seja, a chance de uma empresa que negocie lotes vindos da Amazônia adquirir um produto de origem ilegal e desrespeitosa é muito grande, ainda que involuntariamente.
Lista de Precauções
Na hora de comprar, observe alguns cuidados para fugir de problemas e não macular a consciência.
Sem Desmatamento: peça ao lojista o Documento de Origem Florestal (DOF), fornecido pelo Ibama, ou o documento do órgão estadual do meio ambiente. Eles atestam a origem do produto.
Sem Desperdício: procure sempre adequar o projeto arquitetônico às medidas mais comuns dos itens disponíveis no mercado, evitando excesso de cortes, resíduos e emendas desnecessárias.
Sem Mesmice: opte por espécies menos conhecidas (mas com desempenho adequado à sua demanda) para diminuir a pressão na natureza e tornar a atividade mais ecológica.
Sem Confusão: atenção às dimensões comerciais e medidas vistas nas lojas. É comum também haver divergências em relação aos nomes, como caibro ou pontalete e tábua estreita ou sarrafo.
Certificação: Para quem quiser ir além da legalidade, é possível adquirir madeira com selo florestal, uma ferramenta voluntária utilizada por algumas empresas e comunidades para atestar a extração respeitosa dentro de um esquema de manejo sustentável. No Brasil, temos o Sistema de Certificação Florestal Brasileiro do Inmetro (Cerflor) e o carimbo criado pelo Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC Brasil), que aparecem atualmente em mais de 6,2 milhões de hectares, sendo a maior parte (cerca de 80%) de áreas plantadas com eucaliptos, pinus e teca. “Hoje, apenas 8% dos consumidores brasileiros sabem o que está por trás do FSC, e há um potencial enorme de trechos nativos a serem incluídos, se considerarmos que menos de 1% da Amazônia ostenta o documento”, diz Aline Tristão, diretora executiva do FSC Brasil.
Atenção aos nomes populares
Nossa biodiversidade e as culturas regionais podem gerar confusão na hora de comprar a madeira.
Não leve gato por lebre: “Peça sempre o nome popular associado ao cientifico, em vez de somente o comercial. Assim, você evita a enganos que podem culminar na compra de uma espécie não indicada para o uso que se quer dar na obra”, ensina a pesquisadora Maria José Casimiro Mirando, do Laboratório de Árvores, madeiras e Móveis do IPT-SP. Em São Paulo, por exemplo, encontramos como cedrinho 15 tipos diferentes de madeira. Além disso, dependendo da região do país, o cedrinho aparece com outros apelidos (bruteiro, cambará, cachinho-de-jabuti, quaruba-vermelha, quarubatinga, entre outros), o que aumenta o risco da aquisição duvidosa.
Questão de desempenho: Faça uma lista de opções que têm características e níveis de comportamento compatíveis com a função pretendida. Para tanto, consumidores e profissionais podem se valer da consulta de duas publicações disponíveis na internet (veja abaixo). É comum encontrar madeiras diferentes agrupadas nas lojas com o mesmo nome popular. Isso ocorre, em geral, quando elas podem ser empregadas par ao mesmo fim. Tal prática é boa se feita com critérios e com o conhecimento do cliente, pois colaboram para a aceitação das espécies alternativas e para a redução da demanda por aquelas exploradas de maneira insustentável.
19 Cambarás: Esse número representa a diversidade de espécies disponíveis na cidade de São Paulo com o mesmo nome popular: cambará. Antes de levar, cheque também a designação cientifica e se as características estão ajudadas à sua necessidade.
Sobre Normas Técnicas: Para construções mais complicadas, a NBR 7190 (Projeto de estruturas de madeiras), da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), define classes de resistência para variadas madeiras e traz uma série de processos de seleção do material.
Consulte na internet: o download é gratuito. Vale a pena conhecer dois trabalhos disponíveis no site do IPT, de São Paulo, instituto coordenador dos títulos redigidos em parceria com entidades do setor. O Manual Madeira: Uso Sustentável na Construção Civil explica o mercado, aponta desafios e traz uma lista detalhada de espécies alternativas para diferentes propósitos. Já o Catálogo de Madeiras Brasileiras para Construção Civil reúne a classificação geral de aplicações da madeira e fichas com as principais características de 20 árvores, a fim de expandir as opções do leitor.
Em busca de alternativas
Há vida além da peroba, da imbuia ou do pinho-do-paraná
Na Cobertura: Diante da exaustão das florestas de peroba-rosa e de pinho-do-paraná no Sul e no Sudeste, o IPT listou 25 nomes com desempenho equivalente em estruturas de telhado. Entre eles, estão: muirca-tiara, eucalipto, itaúba e angelim-pedra.
Para Descarte: Andaimes, fôrmas de concreto e escoramentos podem ser compostos de tábuas e pontaletes de, pelo menos, 18 espécies (entre elas, cambará e cedrinho), indicadas para substituir o pinho-do-paraná, preferido por décadas para tais fins.
Hora de Decorar: Há 16 versões para entrar no lugar da imbuia em pontos como forro, lambri e em painéis, quando se deseja tirar proveito das cores e dos desenhos naturais da superfície. Estão na lista bacuri, curupixá, freijó, louro-caneta, pau-amarelo, entre outras.
Por onde você pisa: Quando a referencia é peroba-rosa em peças serradas e beneficiadas, 16 madeiras são indicadas como boas opções para tábuas corridas, tacos e parquetes. Exemplos? Angico-preto, garapa, goiabão, maçaranduba, uxi, pau-roxo e timborana.
Pequeno guia de manutenção
A durabilidade depende de alguns cuidados básicos de proteção contra intempéries, umidade e pragas. Mas, em nome da saúde e do meio ambiente, não exagere nos produtos.
Escolha bem: prefira princípios ativos ambientalmente agradáveis. Solventes orgânicos presentes em tintas e vernizes emitem vapores que podem provocar alergias e doenças respiratórias.
Aplicação segura: siga corretamente as instruções dos fabricantes (apresentadas nas embalagens) sobre condições de armazenamento e manuseio durante a aplicação, o que pode incluir o uso de luvas, máscaras, etc.
No tempo certo: produtos industrializados, em geral, vêm com indicação de frequência de aplicação. Ceras vegetais e de abelhas, opções naturais, devem ser repetidas sempre que a madeira perde o brilho.
Superfície tratada: peças que receberam soluções químicas antes de chegar á obra, caso do eucalipto autoclavado, podem precisar de algum cuidado extra, principalmente quando destinadas a áreas externas.
Longe de pragas: se a madeira não apresenta sinais de ataques de cupins e brocas, não é necessários aplicar proteções consideradas pesadas. De modo geral, selar a superfície com algum tipo de resina, cera ou verniz é suficiente.
Ajuda técnica: em caso de dúvida, procure profissionais especializados. Além de empresas que vendem produtos e serviços, vale a pena pedir diagnósticos a laboratórios de universidades e associações de classe.
Madeira verde, não! É como são conhecidas aquelas com alto teor de umidade, as quais devem ser evitadas em pisos, esquadrias e revestimentos. Se colocadas antes de atingir um ponto de equilíbrio, variável de acordo com a espécie e a umidade relativo do ar no local; a tendência é que a oscilação de água faça o material empenar em dias secos e inchar em períodos chuvosos. “Sempre que a estabilidade dimensional for importante, avalie o ambiente e, se possível, verifique in loco com a ajuda de um medidor elétrico”, diz Maria José Casimiro Miranda.
Livre de cupins: das 300 espécies desse inseto no Brasil, apenas 30 oferecem algum risco. As demais exercem papel importante no meio ambiente, reciclando matéria orgânica (celulose) na natureza. “Se não houver registro de cupim no local onde será aplicada a madeira, não há por que se preocupa”, afirma o biólogo e pesquisador do IPT de São Paulo, Gonzalo Lopez, que recomenda intervir com camadas protetoras apenas nas peças encaixadas em locais difíceis de inspecionar periodicamente, como uma viga entre paredes ou itens instalados atrás de um lambri, por exemplo.