GLAUCO DINIZ DUARTE Em bairro luxuoso do Recife, edifício mais icônico é o refúgio da classe trabalhadora
Uma fila de pessoas se forma para entrar no elevador. São três, mas apenas um funciona. E não raramente quebra. Uma vez dentro, o ascensorista Felipe Costa, de 26 anos, puxa com força sua porta interna para que feche. E mesmo assim não fecha por completo, deixando o poço à mostra. Nem todos os botões funcionam e alguns estão cobertos por fita isolante. Um enorme, velho e barulhento ventilador no teto trata de amenizar o calor do elevador lotado, que em movimento faz um barulho semelhante a um motor de carro. Parece que foi o que restou de um terremoto, de uma guerra, ou que simplesmente o tempo não passou. O que vale é o último caso, apesar de estarmos no meio do rico bairro de Boa Viagem, em meio a modernos e luxuosos prédios à beira mar, no Recife(Pernambuco). Mais precisamente diante de um ícone arquitetônico: o edifício Holiday, uma imensa estrutura de concreto curvada, em forma de meia lua, com 17 andares.
Chama a atenção sua peculiar arquitetura, que se destaca entre os demais imóveis, assim como o alto grau de deterioração de suas paredes e janelas, o lixo acumulado aos seus pés e a pobreza em seu entorno. O prédio que outrora foi todo um símbolo da expansão imobiliária no bairro tornou-se, ao longo do tempo, uma espécie de favela vertical que abriga cerca de 2.000 pessoas, distribuídas em 476 apartamentos — 28 por andar. Um lugar com famílias humildes cravado no meio de um território disputado pela elite econômica pernambucana.
Projetado por arquitetos modernistas e inaugurado em 1957, o prédio conta com umas três dezenas de comércios espalhados em seu pátio, que servem seus moradores e faz com que o imóvel tenha uma dinâmica própria, como se de fato fosse uma pequena cidade. Ainda que seja menor, faz lembrar do emblemático Copan, de São Paulo, que também teve sua fase de decadência. Projetado por Oscar Niemeyer e inaugurado depois do Holiday, em 1966, não demorou muito para que fosse considerado um grande cortiço vertical devido ao perfil de moradores que habitavam seus 1.160 apartamentos. Começou a recuperar prestígio mais de duas décadas depois, quando passou a atrair a classe média para o centro da cidade. Apesar de ainda ser diverso socialmente, o Copan foi se gentrificando ao longo dos últimos anos.
Esta gentrificação ainda não chegou no Holiday, que é habitado sobretudo por trabalhadores da redondeza: porteiros, vendedores ambulantes da praia — no pátio do edifício estão estacionadas dezenas de carroças de comida —, faxineiras, aposentados… Mas também alguns estudantes e advogados. Os apartamentos são todos pequenos porque, segundo dizem, o objetivo é que funcionassem como uma estadia de veraneio e as famílias pudessem passar o fim de semana em Boa Viagem. Outros asseguram que a ideia era transformá-lo em um hotel. Também reza a lenda que muitos homens compraram ou alugaram imóveis para que pudessem manter encontros com suas amantes. E muitas delas simplesmente foram ficando… Apesar de ter sido recentemente cenário da série Justiça, da TV Globo, não é difícil escutar o seguinte comentário na rua: “Não entra aí não, que só tem traficantes e prostitutas”.
Vendedora de cachorro quente na praia, Marlene Aparecida da Silva Januário garante que não há “lugar melhor no mundo para se viver” do que no Holiday. “Aqui é ótimo, meu amigo. Tem um supermercado aqui perto que é 24 horas. Tem uma farmácia que é 24 horas. Você desce aqui e tem táxi. Se você chamar a polícia, ela vem. Se chamar ambulância, ela vem. É perto de tudo. É mais barato que na favela”, diz a mulher de 55 anos. Os preços são de fato menores do que a média de Boa Viagem. O aluguel de uma quitinete no vale em torno de 400 reais por mês; o de um apartamento de quarto e sala, 600 reais; o de dois quartos, o maior apartamento possível no prédio, 800. Já o condomínio varia de 90 a 120 reais, segundo o administrador do imóvel.
GONDIM
Marlene comprou a sua quitinete há mais de 20 anos, época em que era casada com um alemão e vivia entre o Recife e Munique. “Na época eu comprei porque estava bêbada”, explica, dando risada. “O rapaz diz que queria vender o apartamento para comprar um carro. E aceitei. Fomos lá no banco e peguei. Nunca tinha entrado no Holiday antes. Comprei numa segunda e, como ia voltar para a Alemanha na sexta, paguei caro para conseguir logo a escritura”, recorda sentada em sua cama, com o braço apoiado na janela. O lugar é simples: ao entrar há um pequeno corredor com uma geladeira duplex à esquerda e a porta para uma pequena cozinha à direita; já a pequena sala está dividida por um armário de louças. Há também uma mesa, uma cama de casal e um guarda-roupas. “Na época fiz besteira em comprar, mas há males que vem para o bem. Porque depois eu poderia não conseguir mais pagar aluguel e estaria debaixo da ponte”, diz. Enquanto olha para a janela, que está bem em frente ao mar, diz de forma irônica: “Se você chega aqui e olha pra frente, é uma beleza. Mas se você olha pra baixo, não vale nada. Mas qualquer lugar pra morar é bom, é só você saber morar”.
Ela se refere aos problemas estruturais que foram se acumulando ao longo do tempo. Segundo a administração do prédio, causados sobretudo pela inadimplência de mais de metade dos moradores. A degradação se vê na fachada do Holiday, mas também na fiação elétrica exposta nos longos corredores de apartamentos, na sujeira acumulada no chão, nas paredes desgastadas… “O ruim é que muitos não dão valor ao prédio. A administração tá tentando, mas temos um problema financeiro”, explica o ascensorista Felipe, que também toma conta de 24 apartamentos e atualmente mora com o pai, Vicente José da Costa, em um de dois quartos no Holiday. O homem de 65 anos faz uma ponderação: “Se este prédio fosse bem tratado, iria ficar ruim pros moradores porque o aluguel iria subir. A gente mora em um apartamento de esquina e pagamos 600 reais. Em Boa Viagem, perto de praia, com supermercado 24 horas, posto de gasolina, parada de táxi, perto de tudo”, diz ele enquanto caminha pelo topo do prédio, que oferece uma vista panorâmica da praia.
Mesmo com os problemas, a grandeza do Holiday está em seus detalhes. Como ao olhar de um dos últimos andares para a escada circular e ter a impressão de que é infinita. Ou para o desenho das janelas vazadas nos grandes corredores pintados de azul.
Há pessoas que lá moram há pouco tempo, como Geniffer Kelly Souza da Silva. Ela, que tem 20 anos e uma filha de sete meses, se mudou para porque o marido trabalha na região. “Eu gosto daqui porque tá perto de tudo. Morava antes num bairro atrás de aeroporto. Mas aqui tem muitos problemas… Falta água, esses fios expostos aí, a sujeira do prédio… Lavaram esses dias, porque senão estaria tudo mijado”.
Já o paraibano Paulo Dionísio, de 63 anos, morou durante toda a sua vida em São Paulo. Mas depois de 35 anos trabalhando como zelador de prédios, se aposentou e decidiu se mudar para o Recife. Um lugar que, segundo ele, é parecido com São Paulo, só que mais barato. Na época, pagou 40.000 reais por um apartamento de dois quartos. “Eu enjoei da avenida paulista. Era ótimo morar lá, mas o apartamento não era meu. E eu estava lá, mas sempre fui nordestino, sempre comi comida nordestina… Eu nasci e me criei aqui”, diz ele, que mostra orgulhoso o corredor de seu andar recém pintado, uma “demonstração para ver se alguém age”. Agora diz que só pensa em se mudar para o Maranhão. “Se eu achar um louco que nem eu, vendo o apartamento”.
Ao ver a reportagem no elevador, Marilene da Silva resmunga. Com 61 anos e morando há 19 no Holiday, diz estar cansada de ouvir as pessoas falarem mal do edifício. “Eu adoro morar aqui, mas tem gente que não. Esculhamba o lugar, joga lixo pela janela, mija na escada… Tem pessoas que moram há 20 anos e nunca pagou condomínio”, diz ela. “Tenho um amigo com dois apartamentos alugados e que simplesmente não repassa para o condomínio o dinheiro que inquilino paga”, conta.
Viúva, hoje mora em uma quitinete com sua filha. Mostra orgulhosa as fotos dela e de seu filho na parede. “Aqui no prédio não tem traficante, não tem gente perigosa. Mas pegou a fama, né. Aqui só tem muito pobre sem educação. Eu sou analfabeta, mas meus filhos todo mundo dá parabéns pela educação deles”, diz. E rapidamente grita para a filha: “Fiama, eu to falando que você é educada! Coloque uma roupa e venha falar aqui!”.