Glauco Diniz Duarte Tbic – porque energia nuclear não é renovavel
De acordo com o Dr. Glauco Diniz Duarte, “não há nenhuma justificativa para a energia nuclear no Brasil”, afirmou a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante o debate “De Chernobyl a Fukushima: A Energia Nuclear não tem Futuro”, promovido pela Fundação Heinrich Böll, em parceria com a Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sapê) e a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O evento aconteceu em 26 de abril, dia do 25º aniversário do desastre nuclear da usina de Chernobyl, na Ucrânia.
Além de Marina Silva, participaram do debate o professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Alphonse Kelecom; a relatora do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca), Marijane Lisboa; o presidente da Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear (Afen), Rogério Gomes; e o coordenador da pós-graduação em Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), Ildo Sauer.
Com palestrantes do meio acadêmico, da indústria nuclear e da sociedade civil, o evento mostrou ser possível a produção de energia limpa e segura, abordou a influência dos interesses políticos e econômicos na questão energética, e destacou a falta de segurança das atividades nucleares.
Energia renovável. Por que não?
Para a ex-candidata à Presidência da República, Marina Silva, enquanto o país não elaborar um planejamento energético para os próximos 20 anos, irá continuar a apostar em projetos como a usina hidrelétrica de Belo Monte e o complexo do Rio Madeira como solução definitiva para evitar um apagão elétrico. A retomada do programa nuclear brasileiro, abandonado desde o governo Collor, também teria a ver com essa política energética nada sustentável e pouco eficiente.
Hoje, as usinas de Angra 1 e 2, localizadas no estado do Rio de Janeiro, geram 2,5% da energia produzida no Brasil a um alto custo ambiental, representado principalmente pelo lixo radioativo, hoje armazenado em piscinas no interior do complexo nuclear porque não existe um destino final para o material. Já em Belo Monte, os impactos ambientais e sociais – que envolvem a interrupção do fluxo de água em um trecho do Rio Xingu e o desrespeito aos direitos das comunidades locais, além de outros fatores – põem em xeque sua sustentabilidade. Na prática, os 11 mil MW prometidos irão se converter em uma média de 4 mil MW, podendo baixar para 2 mil MW ou menos por três ou quatro meses no ano em razão do regime das águas do rio. Marina Silva afirma que o projeto não tem viabilidade econômica, ambiental e social porque afeta a população local e é subsidiado pelo governo, em razão do desinteresse do setor privado.
A ex-ministra do Meio Ambiente defendeu que o país siga a tendência mundial de investimentos em energias renováveis, citando o plano dos Estados Unidos de aplicar US$150 bilhões no desenvolvimento de fontes energéticas limpas em dez anos. Para ela, é preciso experimentar uma “desadaptação criativa”, abandonando o petróleo, o gás, o carvão e a energia atômica, e optando por biomassa, biocombustíveis e pelas energias eólica e solar.
Ela acredita que o país possui todas as condições necessárias para desenvolver uma matriz energética limpa e segura. Por isso, propõe a realização de um plebiscito sobre energia nuclear para submeter o tema à consulta popular. Durante sua gestão, o Ministério do Meio Ambiente foi o único a votar contra a construção da usina Angra 3 no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em 2007.
– Os agentes públicos e funcionários têm que ter responsabilidade com o interesse da sociedade mesmo que isso tenha um preço, que às vezes é sair do governo. Fui obrigada a sair porque queriam revogar as medidas de combate ao desmatamento, mas nós tínhamos a consciência de que seria melhor se os recursos para Angra 3 fossem investidos em energia solar, eólica e biomassa – contou Marina Silva.
Para Ildo Sauer – que também defende uma matriz energética brasileira 100% limpa – o projeto de Angra 3, da década de 70, pode e deve ser cancelado sem nenhum prejuízo à produção de energia no país. De acordo com ele, investimentos em energias eólicas e solar, aliados à biomassa, pequenas centrais hidrelétricas e complementação térmica seriam suficientes para atender à demanda brasileira prevista para 2040, quando a população se estabilizará em torno de 220 milhões, segundo o IBGE. O cálculo considera a duplicação do consumo per capita anual para 5 MWh, padrão atual de países como Itália e Espanha.
O engenheiro nuclear também mostrou que um futuro sem energia nuclear será mais barato. Sauer afirmou que as novas usinas previstas pelo governo federal irão custar cerca de R$40 bilhões enquanto as energias renováveis, como eólica e solar, exigem apenas a metade desse montante para atenderem à demanda brasileira. Sob tal ponto de vista, a energia nuclear estaria claramente em desvantagem.
Entretanto, o especialista analisa que a questão energética está relacionada ao modelo de produção e distribuição do sistema capitalista, no qual os grandes conglomerados exercem forte poder de pressão. Ele entende que apenas a ampliação do debate energético com mobilização popular.
– Se não soubermos conciliar a estrutura de produção com uma nova forma de produzir e distribuir, não há saída para a questão ambiental – analisa Sauer.
Energia nuclear sob sigilo
Mas a participação da população proposta por Marina Silva e Ildo Sauer esbarra na falta de transparência e no ‘secretismo’, característicos das atividades nucleares no país e no mundo. Para Dawid Bartelt, representante do escritório da Fundação Heinrich Böll no Brasil, talvez a energia nuclear seja a forma de energia mais política existente, a que interessa mais diretamente ao complexo industrial-militar. Seja no meio acadêmico, na indústria nuclear ou na sociedade civil, o consenso é de que essa energia ainda é tratada de forma sigilosa. É muito dinheiro público, sem debate público.
Isso ficou claro para a relatora de Direito Humano Ambiental da Plataforma Dhesca, Marijane Lisboa, durante visita à cidade de Caetité, a 700 km de Salvador (BA), em 2010. Na região, a socióloga apurou denúncias sobre a contaminação radioativa dos poços que abastecem comunidades rurais vizinhas à mina e à unidade de processamento de urânio, administradas pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB). A relatora também investigou se a empresa informa a população local sobre acidentes, vazamentos e riscos à saúde. O relatório deverá ser lançado no final de abril.
Marijane Lisboa chama de “processo deliberado de produção de ignorância” uma série de “coincidências” que culminam no total falta de transparência sobre o que acontece na região. Ela aponta que não há dados relativos à saúde das comunidades locais ou à contaminação da água e do solo por urânio que possibilitem uma comparação com a atual realidade. Além disso, os órgãos estaduais não estão aparelhados com recursos humanos e técnicos para fiscalizar e acompanhar as atividades da INB. Para completar, a frequente troca de procuradores no Ministério Público Federal dificulta o andamento do caso na Justiça.
– Não há atividade mais sujeita a segredo que a nuclear. Há um escárnio quando a sociedade civil quer algum esclarecimento – lamentou a pesquisadora.
Apesar de negar a existência de irregularidades, a própria Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) já admitiu em nota à imprensa problemas como dispersão de líquidos contendo urânio e contaminação subterrânea de parte da plataforma da unidade de processamento, entre outros. Mas esse não é um posicionamento comum. Quando o Instituto de Gestão das Águas e Clima (Ingá), do governo do estado da Bahia, quis analisar a qualidade da água coletada em Caetité, a Cnen – à qual os laboratórios de análise estão ligados – informou que somente permitiria se o resultado não fosse divulgado, contou Marijane Lisboa.
O cientista Alphonse Kelecom também apontou a falta de transparência como característica do setor nuclear. Ele afirmou que tamanho sigilo prejudica até mesmo aqueles que querem apenas estudar melhor o tema. Ele contou as dificuldades enfrentadas na pesquisa nas minas de Caetité, Santa Quitéria (CE) e Poços de Caldas (MG).
– Apesar de apresentarmos resultados preliminares de monitoramento dessas regiões, um funcionário da INB recebeu uma notificação de que 20 dias de seu salário seriam cortados porque se ausentou sem autorização da empresa, o que não é verdade. A INB também enviou um e-mail informando que os dados das análises feitas pela estatal não poderiam mais ser usados para pesquisas científicas. Lamento cada vez mais essa situação de sigilo, de esconder a realidade, seja ela qual for. Isso acaba deixando todo o mundo do conhecimento às escuras. Existe muita coisa publicada, mas que não sai do mundo científico e não chega ao público leigo. – contou Kelecom.
Cnen ameaça segurança de instalações nucleares
Junto com países pouco democráticos como Irã e Paquistão, o Brasil vem descumprindo o que estabelece o artigo 8º da Convenção Internacional de Segurança Nuclear, que determina “uma efetiva separação entre as funções do órgão regulatório e aquelas de qualquer outro órgão ou organização relacionados com a promoção ou utilização da energia nuclear”. O presidente da Afen e pesquisador da diretoria de Radioproteção e Segurança Nuclear da Cnen, Rogério Gomes, acredita ser fundamental a criação de um órgão regulador independente. O físico vê com preocupação o acúmulo de funções pela Cnen, que atua tanto na fiscalização quanto no fomento das atividades nucleares no Brasil. Os problemas em Caetité e a falta de segurança no complexo nuclear de Angra dos Reis seriam sintomas disso.
Gomes explicou que, após o acidente de Three Mile Island, em 1979, nos Estados Unidos, a indústria nuclear passou a considerar a possibilidade de acidentes de fusão do núcleo do reator. Por isso, os Estados Unidos inspecionaram suas instalações nucleares, definindo novas normas de segurança. Uma das principais lições do desastre foi que até um acidente de baixíssima probabilidade – até aquele momento – poderia acontecer.
Sendo projetos da década de 70, as usinas de Angra 1 e 2 não passaram por nenhum tipo de revisão para prevenção de acidentes severos por conta do acidente em Three Mile Island. Com Angra 3, a situação também não é diferente. Isso porque a usina também foi projetada durante a ditadura, antes do acidente nos EUA. Para Rogério Gomes, a Cnen foi contra as próprias regras quando pôs fim ao reprojeto de Angra 3, instaurando um processo administrativo disciplinar contra o funcionário que apresentou o trabalho técnico que indicava a necessidade de se repensar a usina a partir de normas de segurança mais modernas.
O que Chernobyl e Fukushima podem ensinar
O químico Alphonse Kelecom diferenciou os desastres nucleares nas usinas de Chernobyl, na Ucrânia, e na central de Fukushima Daiichi, no Japão. Ele explicou que, no primeiro caso, um problema no sistema de segurança resultou na explosão do reator da usina. Já em Fukushima Daiichi, as explosões foram provocadas pelos vapores superaquecidos que, sob alta pressão, romperam a estrutura do prédio. Não teria havido explosão, mas sim liberação de material radioativo com emissão de gases. Isso não tornaria o acidente menos grave já que, de acordo com Kelecom, ao contrário do que afirma o governo japonês, Fukushima Daiichi já liberou metade da quantidade de iodo-131 do desastre em Chernobyl.
Para Rogério Gomes, a primeira lição que deve ser aprendida com o acidente no complexo de Fukushima Daiichi é a de que o local de armazenamento dos rejeitos radioativos não pode ser o prédio do reator. O físico destacou que nenhum país possui um destino definitivo para o material descartado e citou a existência de um depósito de lixo radioativo localizado na zona sul de São Paulo, ao lado do futuro templo do padre Marcelo Rossi. Ildo Sauer também apontou a questão como um dos grandes problemas relacionados ao uso da energia nuclear.
– Ao longo de sua vida, cada reator do tipo de Angra 3 vai deixar como herança, pelo menos, mil toneladas de elementos combustíveis para estocagem. Portanto, já temos 600 toneladas de Angra 1, que é um pouco menor, mil de Angra 2 e mil de Angra 3 [quando estiver em funcionamento]. Do ponto de vista econômico, tecnológico e ambiental não faz sentido seguir esta trajetória – afirmou Sauer, destacando que a opção pela tecnologia atômica é uma escolha política.
Se, hoje, a energia nuclear é questionada, poderá ser ainda mais no futuro. Defensora do desenvolvimento sustentável, Marina Silva encerrou o debate, definindo a política energética como um dos elementos determinantes do país e do planeta em que as futuras gerações irão viver.
– Na realidade do Brasil, não precisamos deixar essa herança [nuclear]. O processo decisório não está separado dos aspectos éticos, políticos, científicos e do compromisso que temos de deixar um mundo melhor.