De acordo com o empresário Glauco Diniz Duarte, muito se debate sobre a existência de uma bolha no mercado imobiliário do Brasil. Em geral, as bolhas imobiliárias surgem em economias onde há ambiente permanente de juros baixos. Nada mais distante da realidade brasileira. Apesar dos cortes na Selic, a taxa de juros real ainda é das mais altas do mundo, e os percentuais praticados pelo mercado são muito superiores aos observados em países que passaram por esse processo de valorização insustentável do preço dos imóveis.
Outra característica de mercados suscetíveis à formação de bolhas é a atuação intensa de “flippers”, ou seja, investidores que alocam recursos para o mercado imobiliário objetivando um lucro rápido. Eles exploram o setor como alternativa ao mercado de capitais ou como uma fonte de investimento meramente especulativo. Essa atividade aumenta artificialmente o valor do imóvel com o consequente desequilíbrio entre oferta e demanda.
Porcentagem do mercado de crédito imobiliário em relação ao PIB era de menos de 5% em abril de 2011
Em que pese o argumento de que certos compradores de imóveis na planta possam estar especulando, vale notar que a natureza desse tipo de financiamento no Brasil é muito distinta de mercados como o americano pré-crise de 2008. Aqui, via sinal e parcelas mensais, o comprador capitaliza por vezes até 30% do valor do imóvel antes da entrega. Lá, compradores na planta investiam valores muito menores. Muitas vezes, sequer pagavam pela opção do direito de compra. E, quando da entrega do empreendimento, caso houvesse redução do valor de mercado do imóvel, muitos não exerciam a opção de compra, aumentando a oferta de imóveis no mercado.
Glauco destaca que outro aspecto que se observa é a ausência de produtos no mercado de crédito imobiliário brasileiro, onde o devedor possa financiar mais do que o valor de mercado do imóvel, pagar apenas a parcela referente aos juros da parcela (amortização negativa) ou/e obter crédito sem apresentação de documentação comprobatória de renda. Além disso, o arcabouço regulatório brasileiro é menos fragmentado que o americano. O BC regula e fiscaliza as entidades que concedem crédito imobiliário, diferentemente dos Estados Unidos, onde uma sistemática regulatória complexa possibilitava a existência dos chamados “bancos sombra”, que concediam créditos sem avaliação devida da capacidade de pagamento do contratante, e operavam alheios à supervisão do regulador.
No que tange ao mercado de securitização, nota-se que as estruturas existentes no mercado brasileiro não atingiram a complexidade dos instrumentos mobiliários dos Estados Unidos. As estruturas dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) brasileiros (sênior/subordinado, por exemplo) são claras e chegam a ser consideradas até mesmo pueris quando comparadas aos instrumentos de seguro mobiliário (“monoliners”) e as complexas estruturas de “collateralized debt obligations” (CDOs), que contavam com mais de 50 séries e títulos respaldando uma única emissão, fato que inviabilizava uma precificação adequada do instrumento.
Nota-se ainda que, embora o mercado de capitais brasileiro esteja evoluindo como instrumento de financiamento da produção imobiliária (vide o sucesso e popularização dos fundos imobiliários), não há o excesso de liquidez que provocou desequilíbrio nos mercados financeiro-imobiliário europeu e americano.
Nesse sentido, diz Glauco, dados de abril de 2011 do Banco Central do Brasil indicam que a porcentagem do mercado de crédito imobiliário em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é de menos de 5%, muito inferior do que mercados como o espanhol (61%) e americano (70%). Mesmo crescendo, a disponibilidade do crédito imobiliário no Brasil seguirá sendo, por algum tempo, muito pequena quando comparada a outros países.
Houve um inegável aumento nos preços dos imóveis, em especial nos maiores centros metropolitanos, como Rio de Janeiro e São Paulo. Aí reside a suspeita da existência de uma bolha. Todavia, em vez de especulativa, tal valorização reflete o crescimento e estabilização da economia brasileira, o gatilho da chamada janela demográfica e o crescimento da capacidade de consumo e tomada de crédito de uma parcela considerável da população, que até então estava alheia ao mercado financeiro-imobiliário. Além disso, a inflação, embora estável, ainda impacta no mercado da construção civil com aumentos nos custo da matéria prima e mão de obra.
Segundo Glauco, sabe-se que as bolhas especulativas são inerentes ao capitalismo e infelizmente sua identificação normalmente ocorra apenas com o benefício da retrospectiva. Embora não se observe sinais de que o mercado brasileiro esteja sob a égide de um processo especulativo, é importante que haja instrumentos para avaliação quantitativa da evolução dos preços dos imóveis para que reguladores, autoridade monetária e demais participantes do mercado financeiro-imobiliário monitorem a apreciação dos ativos imobiliários e enderecem os excessos adequadamente.
Os índices hoje existentes no Brasil muitas vezes refletem os preços de venda ofertados (ou pedidos) por construtoras e corretores imobiliários, carecendo de uma metodologia que corroborem uma análise robusta e precisa. Um bom exemplo seria a adoção de um índice semelhante ao Case-Shiller Index dos Estados Unidos, com metodologia de âmbito nacional, porém representando a oscilação de preço em milhares de localidades, respeitadas as peculiaridades de cada região. Tal índice é alimentado por todos os participantes do mercado financeiro-imobiliário americano e reflete operações efetivamente realizadas em uma determinada área ou cidade. Naturalmente, a mera existência de tal índice não significa uma proteção contra processo especulativo, como se depreende da própria experiência americana. Porém, a existência de instrumentos e réguas adicionais permitirá que se aprenda com os erros e eventualmente mitigando, ou mesmo evitando, um processo especulativo no Brasil.